A Conferência Geral,
Reafirmando seu compromisso com a plena realização dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais proclamadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros
instrumentos universalmente reconhecidos, como os dois Pactos Internacionais de 1966 relativos
respectivamente, aos direitos civis e políticos e aos direitos econômicos, sociais e culturais,
Recordando que o Preâmbulo da Constituição da UNESCO afirma “(...) que a ampla difusão da
cultura e da educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis para a
dignidade do homem e constituem um dever sagrado que todas as nações devem cumprir com um
espírito de responsabilidade e de ajuda mútua”,
Recordando também seu Artigo primeiro, que designa à UNESCO, entre outros objetivos, o de
recomendar “os acordos internacionais que se façam necessários para facilitar a livre circulação
das idéias por meio da palavra e da imagem”,
Referindo-se às disposições relativas à diversidade cultural e ao exercício dos direitos culturais que
figuram nos instrumentos internacionais promulgados pela UNESCO[1],
Reafirmando que a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais
e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que
abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas
de valores, as tradições e as crenças[2],
Constatando que a cultura se encontra no centro dos debates contemporâneos sobre a identidade,
a coesão social e o desenvolvimento de uma economia fundada no saber,
Afirmando que o respeito à diversidade das culturas, à tolerância, ao diálogo e à cooperação, em
um clima de confiança e de entendimento mútuos, estão entre as melhores garantias da paz e da
segurança internacionais,
Aspirando a uma maior solidariedade fundada no reconhecimento da diversidade cultural, na
consciência da unidade do gênero humano e no desenvolvimento dos intercâmbios culturais,
Considerando que o processo de globalização, facilitado pela rápida evolução das novas
tecnologias da informação e da comunicação, apesar de constituir um desafio para a diversidade
cultural, cria condições de um diálogo renovado entre as culturas e as civilizações,
Consciente do mandato específico confiado à UNESCO, no seio do sistema das Nações Unidas,
de assegurar a preservação e a promoção da fecunda diversidade das culturas,
Proclama os seguintes princípios e adota a presente Declaração:
IDENTIDADE, DIVERSIDADE E PLURALISMO
Artigo 1 – A diversidade cultural, patrimônio comum da humanidade
A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na
originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que
compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade
cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza.
Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e
consolidada em beneficio das gerações presentes e futuras.
Artigo 2 – Da diversidade cultural ao pluralismo cultural
Em nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interação
harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e
dinâmicas, assim como sua vontade de conviver. As políticas que favoreçam a inclusão e a
participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a
paz. Definido desta maneira, o pluralismo cultural constitui a resposta política à realidade da
diversidade cultural. Inseparável de um contexto democrático, o pluralismo cultural é propício aos
intercâmbios culturais e ao desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida
pública.
Artigo 3 – A diversidade cultural, fator de desenvolvimento
A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha que se oferecem a todos; é uma das
fontes do desenvolvimento, entendido não somente em termos de crescimento econômico, mas
também como meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e espiritual satisfatória.
DIVERSIDADE CULTURAL E DIREITOS HUMANOS
Artigo 4 – Os direitos humanos, garantias da diversidade cultural
A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade
humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades
fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos povos
autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos
garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance.
Artigo 5 – Os direitos culturais, marco propício da diversidade cultural
Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e
interdependentes. O desenvolvimento de uma diversidade criativa exige a plena realização dos
direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os
artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa
deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em partícular,
na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que
respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que
escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais.
Artigo 6 – Rumo a uma diversidade cultural accessível a todos
Enquanto se garanta a livre circulação das idéias mediante a palavra e a imagem, deve-se cuidar
para que todas as culturas possam se expressar e se fazer conhecidas. A liberdade de expressão,
o pluralismo dos meios de comunicação, o multilingüismo, a igualdade de acesso às expressões
artísticas, ao conhecimento científico e tecnológico – inclusive em formato digital - e a
possibilidade, para todas as culturas, de estar presentes nos meios de expressão e de difusão, são
garantias da diversidade cultural.
DIVERSIDADE CULTURAL E CRIATIVIDADE
Artigo 7 – O patrimônio cultural, fonte da criatividade
Toda criação tem suas origens nas tradições culturais, porém se desenvolve plenamente em
contato com outras. Essa é a razão pela qual o patrimônio, em todas suas formas, deve ser
preservado, valorizado e transmitido às gerações futuras como testemunho da experiência e das
aspirações humanas, a fim de nutrir a criatividade em toda sua diversidade e estabelecer um
verdadeiro diálogo entre as culturas.
Artigo 8 – Os bens e serviços culturais, mercadorias distintas das demais
Frente às mudanças econômicas e tecnológicas atuais, que abrem vastas perspectivas para a
criação e a inovação, deve-se prestar uma particular atenção à diversidade da oferta criativa, ao
justo reconhecimento dos direitos dos autores e artistas, assim como ao caráter específico dos
bens e serviços culturais que, na medida em que são portadores de identidade, de valores e
sentido, não devem ser considerados como mercadorias ou bens de consumo como os demais.
Artigo 9 – As políticas culturais, catalisadoras da criatividade
As políticas culturais, enquanto assegurem a livre circulação das idéias e das obras, devem criar
condições propícias para a produção e a difusão de bens e serviços culturais diversificados, por
meio de indústrias culturais que disponham de meios para desenvolver-se nos planos local e
mundial. Cada Estado deve, respeitando suas obrigações internacionais, definir sua política
cultural e aplicá-la, utilizando-se dos meios de ação que julgue mais adequados, seja na forma de
apoios concretos ou de marcos reguladores apropriados.
DIVERSIDADE CULTURAL E SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL
Artigo 10 – Reforçar as capacidades de criação e de difusão em escala mundial
Ante os desequilíbrios atualmente produzidos no fluxo e no intercâmbio de bens culturais em
escala mundial, é necessário reforçar a cooperação e a solidariedade internacionais destinadas a
permitir que todos os países, em particular os países em desenvolvimento e os países em
transição, estabeleçam indústrias culturais viáveis e competitivas nos planos nacional e
internacional.
Artigo 11 – Estabelecer parcerias entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil
As forças do mercado, por si sós, não podem garantir a preservação e promoção da diversidade
cultural, condição de um desenvolvimento humano sustentável. Desse ponto de vista, convém
fortalecer a função primordial das políticas públicas, em parceria com o setor privado e a sociedade
civil.
Artigo 12 – A função da UNESCO
A UNESCO, por virtude de seu mandato e de suas funções, tem a responsabilidade de:
a) promover a incorporação dos princípios enunciados na presente Declaração nas estratégias de
desenvolvimento elaboradas no seio das diversas entidades intergovernamentais;
b) servir de instância de referência e de articulação entre os Estados, os organismos internacionais
governamentais e não-governamentais, a sociedade civil e o setor privado para a elaboração
conjunta de conceitos, objetivos e políticas em favor da diversidade cultural;
c) dar seguimento a suas atividades normativas, de sensibilização e de desenvolvimento de
capacidades nos âmbitos relacionados com a presente Declaração dentro de suas esferas de
competência;
d) facilitar a aplicação do Plano de Ação, cujas linhas gerais se encontram apensas à presente
Declaração.
LINHAS GERAIS DE UM PLANO DE AÇÃO PARA A APLICAÇÃO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA UNESCO SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL
Os Estados Membros se comprometem a tomar as medidas apropriadas para difundir amplamente
a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural e fomentar sua aplicação efetiva,
cooperando, em particular, com vistas à realização dos seguintes objetivos:
1. Aprofundar o debate internacional sobre os problemas relativos à diversidade cultural,
especialmente os que se referem a seus vínculos com o desenvolvimento e a sua influência na
formulação de políticas, em escala tanto nacional como internacional; Aprofundar, em particular, a
reflexão sobre a conveniência de elaborar um instrumento jurídico internacional sobre a
diversidade cultural.
2. Avançar na definição dos princípios, normas e práticas nos planos nacional e internacional,
assim como dos meios de sensibilização e das formas de cooperação mais propícios à
salvaguarda e à promoção da diversidade cultural.
3. Favorecer o intercâmbio de conhecimentos e de práticas recomendáveis em matéria de
pluralismo cultural, com vistas a facilitar, em sociedades diversificadas, a inclusão e a participação
de pessoas e grupos advindos de horizontes culturais variados.
4. Avançar na compreensão e no esclarecimento do conteúdo dos direitos culturais, considerados
como parte integrante dos direitos humanos.
5. Salvaguardar o patrimônio lingüístico da humanidade e apoiar a expressão, a criação e a
difusão no maior número possível de línguas.
6. Fomentar a diversidade lingüística - respeitando a língua materna - em todos os níveis da
educação, onde quer que seja possível, e estimular a aprendizagem do plurilingüismo desde a
mais jovem idade.
7. Promover, por meio da educação, uma tomada de consciência do valor positivo da diversidade
cultural e aperfeiçoar, com esse fim, tanto a formulação dos programas escolares como a formação
dos docentes.
8. Incorporar ao processo educativo, tanto o quanto necessário, métodos pedagógicos
tradicionais, com o fim de preservar e otimizar os métodos culturalmente adequados para a
comunicação e a transmissão do saber.
9. Fomentar a “alfabetização digital” e aumentar o domínio das novas tecnologias da informação e
da comunicação, que devem ser consideradas, ao mesmo tempo, disciplinas de ensino e
instrumentos pedagógicos capazes de fortalecer a eficácia dos serviços educativos.
10. Promover a diversidade lingüística no ciberespaço e fomentar o acesso gratuito e universal,
por meio das redes mundiais, a todas as informações pertencentes ao domínio público.
11. Lutar contra o hiato digital - em estreita cooperação com os organismos competentes do
sistema das Nações Unidas - favorecendo o acesso dos países em desenvolvimento às novas
tecnologias, ajudando-os a dominar as tecnologias da informação e facilitando a circulação
eletrônica dos produtos culturais endógenos e o acesso de tais países aos recursos digitais de
ordem educativa, cultural e científica, disponíveis em escala mundial.
12. Estimular a produção, a salvaguarda e a difusão de conteúdos diversificados nos meios de
comunicação e nas redes mundiais de informação e, para tanto, promover o papel dos serviços
públicos de radiodifusão e de televisão na elaboração de produções audiovisuais de qualidade,
favorecendo, particularmente, o estabelecimento de mecanismos de cooperação que facilitem a
difusão das mesmas.
13. Elaborar políticas e estratégias de preservação e valorização do patrimônio cultural e natural,
em particular do patrimônio oral e imaterial e combater o tráfico ilícito de bens e serviços culturais.
14. Respeitar e proteger os sistemas de conhecimento tradicionais, especialmente os das
populações autóctones; reconhecer a contribuição dos conhecimentos tradicionais para a proteção
ambiental e a gestão dos recursos naturais e favorecer as sinergias entre a ciência moderna e os
conhecimentos locais.
15. Apoiar a mobilidade de criadores, artistas, pesquisadores, cientistas e intelectuais e o
desenvolvimento de programas e associações internacionais de pesquisa, procurando, ao mesmo
tempo, preservar e aumentar a capacidade criativa dos países em desenvolvimento e em
transição.
16. Garantir a proteção dos direitos de autor e dos direitos conexos, de modo a fomentar o
desenvolvimento da criatividade contemporânea e uma remuneração justa do trabalho criativo,
defendendo, ao mesmo tempo, o direito público de acesso à cultura, conforme o Artigo 27 da
Declaração Universal de Direitos Humanos.
17. Ajudar a criação ou a consolidação de indústrias culturais nos países em desenvolvimento e
nos países em transição e, com este propósito, cooperar para desenvolvimento das infra-estruturas
e das capacidades necessárias, apoiar a criação de mercados locais viáveis e facilitar o acesso
dos bens culturais desses países ao mercado mundial e às redes de distribuição internacionais.
18. Elaborar políticas culturais que promovam os princípios inscritos na presente Declaração,
inclusive mediante mecanismos de apoio à execução e/ou de marcos reguladores apropriados,
respeitando as obrigações internacionais de cada Estado.
19. Envolver os diferentes setores da sociedade civil na definição das políticas públicas de
salvaguarda e promoção da diversidade cultural.
20. Reconhecer e fomentar a contribuição que o setor privado pode aportar à valorização da
diversidade cultural e facilitar, com esse propósito, a criação de espaços de diálogo entre o setor
público e o privado.
Os Estados Membros recomendam ao Diretor Geral que, ao executar os programas da UNESCO,
leve em consideração os objetivos enunciados no presente Plano de Ação e que o comunique aos
organismos do sistema das Nações Unidas e demais organizações intergovernamentais e não-
governamentais interessadas, de modo a reforçar a sinergia das medidas que sejam adotadas em
favor da diversidade cultural.